[Note: the following text is taken from the text version of Faria, Manoel Severim de, Noticias de Portugal, Lisboa: Na Offic. de Antonio Gomes, 1791, pp.240ff. (Internet Archive.) I corrected typographical errors due to the OCR system misrecognition, but there may still exist such errors. Please consult printed version for academic purpose. And also I collated the text with 1655 edition, pp.115ff. Between 1655 edition and 1791 edition, there are difference in orthography and also grammer seems to have been changed in over 100 years and I followed the older edition's convention (The reason I chose 1791 edition is that I thought newer printing can be better optically recognized). For the notes, 1) 1655 edition has no note number, so I used the note number of 1791 edition; 2) 1791 edition omits those notes in 1655 edition that are not notes in modern sense but some kind of summary or index and I revived them (indicated with * sign). There is also 1740 edition, which I did not consulted.   S. U.]

Dos officiais, que os Reys de Portugal crearaõ para conservaçaõ das insiguias dos Nobres, & da casa das armas de Cintra.
§. 18.

NA conservaçaõ das Armas da Nobreza poseraõ os Reys muito cuidado, (44) entendendo, que foraõ ganhadas pelo valor dos fidalgos deste Reino, na recuperaçaõ delle. E como a grandeza, & segurança de seus estados consistia no valor dos Nobres, por galardaõ, & agradecimento de tantos serviços, procuraraõ conservar as armas de quada familia. Foi este intento tam antigo nos Reys de Portugal, que se conta na Chronica delRey Dom Fernando cap. 30 [The link is to cap. 130 (vol.3, p.46 of the edition) which seems to be more correct; see vol.3, p.47] que mandou fazer hum rico paramento todo bordado de aljofares com as armas dos fidalgos de Portugal, de modo, que naõ tiveraõ menos cuidado da conservaçaõ dos seus brazoẽs, que dos Appellidos; querendo, que sò aquelles, a quem de dereito tocavaõ, fossem honrados com ellas. Para isto ordenaraõ os Reys de Armas, em cujos livros mandarão pintar as insignias de todas as linhagẽs do Reino.

(44) Regimento dos officiais da armaria.

    Começaraõ estes officios em tempo delRey Dom Ioaõ I. porque ate entaõ, pelas poucas mudanças, que ouve em Portugal, eraõ todos os nobres conhecidos; & pacificamente possuia quada hum as heranças, & honras, que de seus passados alcançara. Porem como por morte delRey Dom Fernando se seguiraõ tam largas, & continuadas guerras sobre a successaõ desta Coroa, sustentando hũs as partes da Rainha Dona Brittis filha do morto Rey Dom Fernando, & mulher delRey Dom Ioaõ de Castella, & outros, as do Mestre de Avis, & Rey Dom Ioaõ I. de Portugal, foi tanta a variedade, & alteraçaõ das cousas, que com razaõ diz o Chronista, (45) que começou entaõ neste Reino, em certo modo, a septima idade do mundo; porque gram parte das familias nobres, que seguiraõ a opiniaõ de Castella, ficaraõ extinctas, & acabadas de todo; & alguãs , que sustentaraõ as partes delRey Dom Ioaõ I. foraõ de novo levantadas, a grande lugar.

(45) 1. p. c. 163 [Correct reference? S.U.]

Estes, como naõ eraõ dantes conhecidos, para se acreditarem com o povo, tomaraõ em muitas partes os Appellidos, & armas de outras familias antigas, que lhe naõ pertenciaõ. E assi diz o mesmo autor, que no dia da batalha de Aljubarrota estavaõ as bandeiras dos Aventureiros cheas de varias armas, & insignias, que a muitos naõ competiaõ. Pelo que considerando elRey Dom Ioaõ I. depois de ter o Reino pacifico, como a confusaõ desta materia era de gram prejuizo à Nobreza, movido do exẽplo dos Reys de Inglaterra, com quem estava aparentado, introduzio o officio dos Reys de Armas; & de entaõ para quá; os hà em Portugal. Provasse isto, porque Fernaõ Lopes na 2. p. cap. 39. da Chronica deste Rey [A huge PDF! See pp.150-152 of this edition; In Internet Archive copy, these pages are missing. And anyway correct reference? S.U.] dà a entender claramente, que ate o tempo da batalha de Aljubarrota os naõ ouve; & o mesmo parece das historias dos outros Reys ate entaõ, nas quais se naõ acha feita mençaõ alguã de Reys de Armas; & com tudo de entaõ para quà se trata delles nas Chronicas dos Reys ordinariamente nos lugares, que lhe cabe. Pelo que he evidente, que elRey Dom Ioaõ foi o primeiro, que os mandou vir a Portugal. Porem vendo elRey Dom Manoel, como ainda esta materia naõ estava em sua perfeiçaõ, mandou Antonio Rodrigues seu Rey de Armas ás Cortes dos mais dos principes Christaõs a saber em particular as obrigaçoẽs, & usos, que os officiais da Nobreza tinhaõ: & depois que assentou a ordem, {q´} se avia de guardar, pos o nome, ou (como se diz nos livros de Armaria) baptizou de novo fallando equivocamente, com grande solemnidade nos Paços da Ribeira tres Reys de Armas com seus Arautos, & Passavantes; & mandou ver varias sepulturas do Reyno para dellas se notarem as armas, & insignias dos fidalgos; de muitas das quais fez pintar os escudos com suas cores, & Timbres em huã fermosa salla, que para isso mandou edificar nos Paços de Sintra (*); & deu comprido Regimento aos Officiais da Armaria para a conservaçaõ da Nobreza, & armas das familias, de modo que nouvesse mais a confusaõ antiga.

* Casa de Sintra.
† Small letter q with acute accent. S.U.

    Na Casa de sintra naõ estaõ todos os Brazoẽs, porque naõ cabiaõ, & só se pintaraõ os das familias, que entaõ parece andavaõ na Corte, & no serviço do Paço.
    No meio do tecto da salla estaõ as armas Reais de Portugal, ao redor as do Principe, Infantes Dom Luis, Dom Fernando, Dom Afonso, Dom Henrique, Dom Duarte, Dona Isabel, D. Brittis.
    Em baixo se vem 74. Brazoẽs, com o que está sobre a porta de diversos Appellidos , pendurados quada hum do collo de hũ Veado, que nos cornos tem o Timbre; estaõ em dous circulos, que por o serem, naõ hà nelles precedencia; & por isso vaõ aqui pela ordem das letras.
A
Abreu, Aboim, Aguiar, Albergaria, Albuquerque, Almada , Almeida, Andrade, Area, Azevedo , Atahide.
B
Barreto, Betancor, Borges, Britto.
C
Cabral, Carvalho, Castelbranco , Castro de seis Arruelas , Castro de treze, Coelho, Corte Real, Costa, Coutinho, Cunha.
E
Eça.
F
Faria, Ferreira.
G
Gama, Goes, Gouvea, Goyos.
H
Henriques.
L
Lemos, Lima, Lobatos , Lobeiras, Lobo.
M
Malafaya, Manoel, Mascarenhas, Meira, Mellos, Mendoça, Meneses, Miranda, Monis, Motta, Moura.
N
Nogueira, Noronha.
P
Paçanha, Pacheco, Pereira , Pimentel, Pinto.
Q
Queirós.
R
Ribafria, Ribeiro.
S
Sà, Sampayos, Sequeira, Serpa , Serveira, Sylva, Sylveira, Souto-Maior, Sousa.
T
Tavares, Tavora, Teixeira.
V
Valente , Vasconcellos, Vieira.
Por baixo ao longo da aba do forro deste tect estaõ escritos estes quatro versos nos quatro lados das paredes da casa com letras palmares de ouro.
Pois com esforço, & leais
Serviços foraõ ganhados
Com estes, & outros tais
Devem de ser conservados.
Desta casa faz mençaõ Damiaõ de Goés na Chronica delRey Dom Manoel, quarta parte cap. 86. fol. 112. com estas palavras: Mandou ver todalas sepulturas do Regno, para dellas se notarem as armas, & insignias, & letreiros, que nellas avia, das quais armas mandou no Paço de Sintra pintar todolos escudos com suas cores, & Timbres em huã fermosa salla, que para isso mandou fazer: alem do que mandou fazer hum livro muito bem luminado, em que estaõ pintados os mesmos escudos da linhagem da Nobreza destes Reinos, &c.
    Succederaõ estes Reys de Armas modernos aos antigos Feciales Romanos, (46) que eraõ os que publicavaõ as pazes, & guerras nos exercitos, de que faz mençaõ muitas vezes Livio, & outros authores latinos. Este cargo rinhaõ entre os Gregos os Caduceatores, & entre Carthagineses os Trombetas, & outros em outras Provincias, segundo o uso de quada naçaõ. Diogo do Mõte citado por Dom Sebastiaõ de Covarruvias (47) affirma, que Iulio Cesar institutuio certas dignidades, que se davaõ a doze Cavalleiros antigos depois de jubilados na Milicia; os quais levavaõ nas vestiduras as insignias do Principe, & nenhuãs armas offensivas;

(46) Blond. Roman, triumph. l. 4. [More specifically, p.86? S.U.]
(47) Thes. de la lang. Cast. [More specifically, REY DE ARMAS (p.315 of the 2nd part, though not page numbered). S.U.]
† More specifically see p.604 left column. S.U.

porque estes naõ pelejavaõ, mas advertiaõ, & notavaõ somente os feitos valerosos dos soldados; para que depois se desse o premio aos benemeritos, & esforçados, & lhes deu nome de Heroes, & diz que Carlos Magno renovou estes cargos com as mais cousas do Imperio latino; & do nome Heroes se differaõ Heraldos, & Heraos, como os chamaõ em França. E assi tiveraõ antigamente grande authoridade, & delles usaraõ os Prinncipes de Alemanha, Inglaterra, Castella, e Portugal.
    Hà tres especies delles, os primeros, & menores saõ chamados Passavantes, os quais tem o nome da principal villa da sua Provincia. Estes antigamente tinhaõ por officio andar por varias Provincias vendo os usos, & costumes dellas. Os segundos se chamaõ Arautos, & eraõ ordinariamente os interpretes dos Reys, & os que levavaõ seus recados na guerra, de que hà assaz de exemplos na historia delRey Dom Afonso V. & na de Dom Carlos V. Emperador, & Rey de Castella: para o que quasi de todas as gentes tiveraõ salvo conducto. Tomaõ o nome da principal cidade do Reino. Vltimamente saõ os Reys de Armas, que se intitulaõ do nome da Provincia.
    Neste Reino hà tres officiais de quada Provincia, quada hum de sua especie. Os nomes de que usaõ, saõ Rey de Armas Portugal, Arauto, Lisboa, Passavante, Santarem, Rey de Armas Algarve, Arauto Sylves, Passavante Lagos, Rey de Armas India. Arauto Goa, Passavante Cochim. Os Reys de Armas tem obrigaçaõ neste Reino, segundo o Regimento, que lhes deu elRey Dom Manoel, de quada hum em sua Provincia fazer hum livro, em que se escrevaõ todas as familias dos Nobres, & fidalgos, que nella vivem, apontando os casamentos, & filhos, que quada hum hà; & fazendo disso arvores certas, & distinctas com seus nomes; & por este trabalho manda elRey lhe dem os fidalgos suas gajas. Tem mais obrigaçaõ de fazer, que quada hum traga as armas, que lhe pertencem de dereito, & de visitar quada qual sua Provincia de dous em dous annos. Mandalhe assi mesmo elRey se appliquem ao estudo da Armaria, de maneira que entendaõ as causas, porque se deraõ as armas a quada familia; & as possaõ explicar, quando lhe pedirem as declaraçoẽs, assentando tudo em seus livros. Obrigaos a pòr em lembrança todos os feitos de armas, que em suas Provincias passarem; & assi mesmo as mensagẽs, recados, torneos, justas, retos, & desafios, especificando os actos de quada cousa, como na verdade passaraõ. Manda que elles sós possaõ passar as cartas de Armas, que se pedirem de novo, apresentando as petiçoẽs aos Desembargadores do Paço; hum dos quais farà exame de testimunhas, porque conste, {q´} o que pede a carta de armas, he daquella linhagem, & lhe pertence, & que sò o Rey de Armas as assinarà.
    Tem tambem obrigaçaõ de assistirem nos levantamentos dos Reys, nos actos das Cortes, nas entradas solennes das cidades, & nos exercitos, quando os Principes se achao nelles. Acompanhaõ nos actos publicos aos fidalgos, a quem os Reys daõ novos Titulos, assistem nas mesas ao comer dos Reys, & quando vaõ fóra pela cidade, & finalmente nos enterros, & exequias. Estas saõ as obrigaçoẽs dos Reys de Armas, muitas das quais naõ sei sese cumprem, & se he por descuido, ou pelos poucos premios, que recebem de seu trabalho; porque tirando a assisstẽcia, que fazem aos Principes nos actos publicos, & acompanhamentos, & o passar as cartas ordinarias de Armas, no apontar as geraçoẽs, naõ vi memoria alguã. Porem acudiraõ a esta obrigaçaõ algũs particulares, movidos do zelo do bem commum, por naõ se acabar a memoria da Nobreza de todo. E deixando o primeiro, que isto fez em Portugal, que parece foi conhecidamente o Conde Dom Pedro, filho delRey Dom Dinis (a quem deve a Nobreza de Hespanha isso, que se della fabe, como confessaõ os historiadores Castelhanos). Depois delle seguio esta empresa no que toca a este Reyno somẽte Xisto Tavares Quartanario da Sé de Lisboa continuando alguãs famillias, de que trarou o Conde. Porem ainda que o fez com diligencia, escreveo de poucas. Imitouo Damiaõ de Goès Chronista mòr, & fez o livro de Geraçoẽs, que hoje està na Torre do Tombo imperseito, por lhe naõ dar a vida lugar ao acabar de todo, & assi tratou somente de poucas familias. O Cardeal Dom Henrique, como Príncipe tam zeloso, encommendou esta impreza a Gaspar Barreiros Conego de Evora (*), na qual elle confessa, que trabalhou muito, porem naõ lhe deu fim: & por sua morte encarregou o

* Gaspar Barreiros.

Cardeal o livro ao Bispo Hieronymo Osorio, que o acrescentou de alguãs cousas; & por seu fallecimento o recolheo o Bispo Capellaõ mór Dom Iorge de Athaide. Dom Antonio oe Lima fez tambem hum Nobiliario collegido dos livros dos Registos dos Reys mui apurado, & bom. Outro livro compos tambem de Geraçoẽs Diogo de Mello Pereira Prior de Tentugal, parte do qual chegou a se imprimir; mas por justos respeitos, & defeitos, que tinha na composiçaõ, foi mandado tirar da imprensa, Destes livros, & doutros, que nesta materia fizeraõ muitos fidalgos, se tem tirado muitas arvores de Geraçoẽs, as quais para serem perfeitas, costumaõ os Italianos fazer com os retratos naturais de quada pessoa dentro no seu circulo, & à roda delle lhe escrevem o nome, & em cima lhe poem a insignia da dignidade, que reve, como o Coronel, sendo Titulado , a Mitra, ou Chapeo, sendo Cardeal, ou Pontifice: aos Santos cercaõ os circulos de resplandores; aos Generais dos exercitos poem por insignia o Bastaõ; aos Capitaẽs da Cavalleria, o Elmo; & aos Cavalleiros das Ordẽs Militares assentaõ os circulos sobre as mesmas Cruzes; & do tronco da arvore penduraõ o escudo das Armas da tal familia.
    Na explicaçaõ das armas fizeraõ os officiais da Nobreza pouca mais diligencia; porque usando somente de certos livrinhos estrangeiros, que trataõ das cores, & metais dos escudos, todo seu intento poseraõ em explicar estas cores; dizendo que o vermelho significa sangue, o branco pureza, & assi outras cousas vulgares, que de quada cor, & metal ordinariamente se dizem, & por aqui explicaõ com regras gerais todos os Brazoẽs. O mesmo quasi fazem das peças dos escudos, dizendo que os animais saõ mais nobres, que as plantas, & estas, que os metais, & os metais, que os edificios, & outras cousas semelhantes contra toda a boa razaõ. Porque deste modo ficavaõ sendo mais nobres as armas de hum particular, que tivesse no escudo hum Lobo ou hũ Leaõ, que naõ as de hũ Rey, que tivessem hũ Castello, ou huã cadea; como saõ os de Castella, & de Navarra, ou hũs escudos, como os de Portugal. Pelo {q´} cõ razaõ reprovaõ esta opiniaõ Thomaz Garsone (48) na sua Praça universal, & Gregor. Lopes Madeira (49) nas Excellencias da Monarquia de Hespanha; os quais

(48) Prazza univers. discur. 77. [DE GLI ARALDI. Discurso LXXVII.]
(49) Excel. de la Monar. de Hesp. cap. 4. [DE LA SUCCESSION DEL REYNO de España ... y excellencia de las armas Reales.]

resolvem, que a Nobreza das armas naõ se hà de regular pelas cores, ou materiais, de que cõstaõ; mas pela dignidade de quem as tras, ou pela bondade do acto, em que foraõ ganhadas. Sò na ordem de trazer as armas poseraõ maior cuidado, ordenando que só os Chefes tragaõ as armas direitas, que he o mesmo, que sem differença, & a todos os outros filhos segundos se lhe poem alguã peça mais no escudo para differença. Esta peça se toma ordinariamente das armas dos avòs. E sendo muitos irmãos, o primeiro tem a escolha para tomar a melhor differença. Vesse isto mui distinctamente na casa das armas de Sintra, onde mandou elRey Dom Manoel pòr as suas no meio, & à roda as de todos os seus filhos; dos quais hum tomou por differença as de Castella, outro as de Aragaõ, outro as de França, Inglaterra, &c. quada hum por sua precedencia. Quando pintaõ os escudos, os poem sempre inclinados para a parte direita; posto que os Chefes os trazem hoje direitos com os elmos fronteiros, avendo algum animal no escudo, ou outra peça, se poem tambem por Timbre: ninguem sendo Chefe pòde trazer as armas com outra mistura, tirando se o for de muitas geraçoẽs; porque entaõ as poderà trazer juntas. Os outros podem usar das dos quatro avòs, quarteadas, ou das de sua may somente. As mulheres trazem as armas em escudos quadrados postos com a ponta para cima, partindo o campo em palla, & deixando a parte direita delle para as armas do marido.

Do modo, com que saõ postos os nomes aos officiais da Armaria.
§. 19.

ELRey Dom Manoel depois, {q´} mandou fazer o Regimento dos officiais da Armaria [*], diz Damiaõ de Goès no cap. 80. da 4. p. da sua Chronica [The link is to cap. 86 which seems to be more correct; see p.604 of the edition], que em Lisboa nos Paços da Ribeira fez hum acto publico muito solẽne, em{q´} deu nome a todolos Reys de Armas, Arautos, & Passavantes destes Reinos a quada

* Regimento dos officiais de Armaria.

hum delles separadamente da sua Provincia. Pelo que me pareceo bem pòr aqui as ceremonias com que estes actos se fazem; porque alem de pertencerem a este lugar, ategora as naõ vi escritas em outra parte. Estando elRey sentado debaixo do docel em salla publica, vem o novo Passavante, & o Rey de Armas o apresenta sem cotta, nem Brazaõ diante delRey, & posto o Passavante de juelhos faz o juramento seguinte. Foaõ Passavante juro a estes Santos Evangelhos nas maõs de Foaõ Rey de Armas, que bem, & verdadeiramente, & com todo o cuidado, & diligencia aprenda todo o que necessario for ao nòbre officio das Armas, para que dignamente posta passar, & ser acrescentado ao officio de Arauto, & de Rey de Armas, quando elRey Nosso Senhor disto ouver por seu serviço de me prover. E assi juro em todo o que pelo dito Senhor, & por aquelles, que para elle seu lugar tiverem me for mandado, que de meu officio de Passavante faça, & farei toda a fidelidade, cuidado, & diligencia, assi como devo, & saõ obrigado fazer ao serviço de meu Rey natural, & Senhor.
    Acabado o juramento, o Copeiro mòr traz huã taça de prata branca com agua, & sem cubertura, & o Veador huã toalha, & dando o Copeiro mór a taça a elRey, lhe lança por cima da cabecça huã pouca, & lhe poem o nome da villa, que qaer, & o principal Senhor, que esta na salla, toma a toalha da maõ ao Veador, & a dà a elRey para alimpar as maõs. Feito isto, o Rey de Armas lhe poem o Brazaõ no peito à parte esquerda, & veste a cotta de armas atravessada; como he costume trazerem os Passavantes, & depois de vestidos, assi elles, como os mais officiais de Nobreza, & o Rey de Armas beijaõ a maõ a elRey, & o Copeiro mór dá ao Passavante a ta ça de prata em que esteve a agua, a qual leva na maõ, porque de dereito lhe pertence.
    O Arauto vem a este acto vestido, ainda como Passavante, & acompanhandoo diante todos os officiais da Nobreza, levao pela maõ o principal Rey de Armas, o qual o apresenta diante delRey: o Arauto entaõ posto de juelhos com a maõ em hum Missal, que o Rey de Armas tem aberto, faz o juramento seguinte.
    Iuro aos Santos Evangelhos nas maõs do Rey de Armas Foaõ, que bem, & fiel, & lealmente servirei a elRey Nosso Senhor toda a minha vida, & me naõ mudarei, nem passarei para nenhũ outro Rey, nem Principe, nem mudarei, o nome, que pelo dito Senhor me he posto, resalvando, se para elle o dito Senhor me der licença.
    Iuro assi mesmo, que em qualquer maneira, & em qualquer tempo, que sentir danno, ou proveito do dito Rey Nosso Senhor, que a meu officio toque, & pertença, o revelarei, & direi a sua propria pessoa, ou a quem por elle me for mandado, resalvando em guerra, se o dito Rey Nosso Senhor com algum Rey, ou Principe a tivesse, ou com qualquer outra pessoa, a que por meu officio saõ obrigado guardar segredo, assi a meu Senhor, como à parte contraria.
    Iuro assi mesmo, que em todas as mesagẽs, recados, embaixadas, de que for encarregado, assi pelo dito Rey Nosso Senhor, como pelos que seu lugar, & mandado para ellle tiverem, como de qualquer outro Rey, ou Principe; posto que estè em imizade com o dito Rey Nosso Senhor farei verdadeiras, & fieis relaçoẽs inteiramente darei, & fallarei o que me for dito, & mandado, & naõ acrescentarei, nem minguarei disso cousa alguã por odio, dadivas, nem prometimentos, nem por outro respeito algum, & em tudo farei verdade, servirei fielmente, &c.
    Iuro assi mesmo, que quando me achar em alguãs justas, ou torneos, ou em guerras, escaramuças, desafios, asaltos, ou em quaisquer outros actos de guerra de qualquer sorte, & qualidade que sejaõ, sempre diga fiel, & verdadeiramente tudo aquillo, que vir por meus olhos á boa fé, & sem engano, nem malicia, & sem acrescentar, nem diminuir alguã cousa em nenhum modo que seja; & de tudo farei verdadeiro, & fiel testimunho, sem tirar, nem minguar, nem acrescentar a honra, & louvor, & fama de nenhuã pessoa por nenhum respeito que seja.
    Iuro assi mesmo, que serei verdadeiro, & leal, fiel, secreto a todo o Estado de Nobreza; & tudo o que for dito em segredo, naõ somente nestes Reinos, & seus Senhorios, mas em qualquer outro Reino, em que me achar, ou Senhorio.
    Iuro assi mesmo, que naõ farei desafio, nem antervirei nelle entre nenhuãs pessoas de qualquer qualidade, & condiçaõ que sejaõ, sem mandado especial delRey Nosso Senhor.
    Iuro assi mesmo que qualquer dadiva, bem, ou honra, que receber, qualquer Rey, Principe, ou Senhor, a que por elRey Nosso Senhor for enviado, ou por quem seu lugar, & mandado para elle tiver, o direi a elRey Nosso Senhor: & assi a quaisquer outros Reys, & Principes, se por elles por isso for perguntado, naõ direi mais, nem menos, do que receber, nem me for feito por tal, que verdadeira, & fielmente notifique a nobreza de quada hum.
    Acabado o juramento traz o Copeiro mòr huã copa dourada sem cobertura com agua, & o Veador a toalha; & elRey na forma ja dita lança a agua pela cabeça ao Araut, & lhe poem o nome da principal cidade, que hà por bem, & tomando elRey a toalha na forma ja dita, o Rey de Armas vira a cotta ao novo Arauto, & lhe poem o Brazaõ à maõ direita, publicando todos os officiais da Armaria em voz alta por tres vezes o nome do mesmo Arauto. O que feito bejaõ a maõ a elRey, & o Copeiro dà a Copa ao novo Arauto, que a leva na maõ por ser de direito sua.
    Qauando o Rey de Armas se lhe poem o nome, vai tambem ao Paço acompanhado de todos os officiais da Nobreza vestidos com suas còttas, postos de juelhos diante delRey, faz o juramento seguinte em hum Missal, que o principal Rey de Armas tem na maõ, dizendo:
    Iuro a estes Santos Evangelhos nas maõs de Foaõ Rey de Armas, que bem, & verdadeiramente darei do livro de meu Regimento das Armas aos Nobres as armas que direitamente se lhes pertencem, segundo a ordem, & Regimento, que para elle me he dado por elRey Nosso Senhor, que em tudo guardarei, cumprirei: & que por temor, nem por amor , nem por dadiva, nem por prometimento, nem por outro nenhum respeito, naõ farei nisso cousa, que naõ deva; & fialmente guardarei nisso a justiça, & dereito da parte a que tocar.
    Iuro assi mesmo, que quando for enenviado com algum Embaixador, que elRey Nosso Senhor enviar, serei cõ todo o cuidado diligente a seu serviço, & fielmente farei, cumprirei tudo o que me for mandado, & com minha cotta de armas vestida entrarei onde quer que me for mandado por elRey Nosso Senhor, ou por seus Embaixadores.
    Iuro de em todo cumprir, & guardar o juramento, que feito tenho, quando fui feito Arauto, & todas as cousas, obrigaçoẽs do dito juramento, & quada huã dellas cumprirei, & farei fiel, & verdadeiramente, como no dito juramento he conteudo.
    Feito o juramento, o Copeiro mòr traz outra copa dourada com sua cobertura, & o Veador huã toalha, & tomando elRey a copa, lança ao novo Rey de Armas a agua pela cabeça, & lhe poem o nome da Provincia, que hà por bem. E depois de lhe darem a toalha na forma referida, os officiais da Nobreza publicaõ logo o nome do novo Rey de Armas, & recebe a copa, que teve a agua, da maõ do Copeiro mòr, & a leva por ser gaja sua.

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Grilo, Fernando, "Nicolau Chanterene: escultor e arauto de D. Joao III", in Revista do Centro de Hitória da Universidade de Lisboa, vol.9, 2003, pp.87-106.
Grilo, Fernando, "Nicolau Chanterene e afirmação da escultura do Renascimento na Península Ibérica (c. 1511 - 1551)", Doctoral thesis, Univ. de Lisboa, 2000. (pdf.)
Raczyski, Atanazy, Les arts en Portugal, Paris: Jules Renouard, 1846. (Internet Archive.) In Pétition de Garcia Fernandez, pp.212ff., we find Son Altesse lui accorderait l'emploi de héraut d'armes ...

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